Exercícios poéticos, apaixonados e patéticos: pequenos mergulhos e vôos, para compartilhar...

5 de dez. de 2011

A importância da ARTE...

"A arte é, provavelmente, uma experiência inútil; como a «paixão inútil» em que cristaliza o homem. Mas inútil apenas como tragédia de que a humanidade beneficie; porque a arte é a menos trágica das ocupações, porque isso não envolve uma moral objectiva. Mas se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário. Acreditem que os teares paravam, também, e as fábricas; as gares ficavam estranhamente vazias, as mulheres emudeciam. A arte é, no entanto, uma coisa explosiva. Houve, e há decerto em qualquer lugar da terra, pessoas que se dedicam à experiência inútil que é a arte, pessoas como Virgílio, por exemplo, e que sabem que o seu silêncio pode ser mortal. Se os poetas se calassem subitamente e só ficasse no ar o ruído dos motores, porque até o vento se calava no fundo dos vales, penso que até as guerras se iam extinguindo, sem derrota e sem vitória, com a mansidão das coisas estéreis. O laço da ficção, que gera a expectativa, é mais forte do que todas as realidades acumuláveis. Se ele se quebra, o equilíbrio entre os seres sofre grave prejuízo."


(Agustina Bessa-Luís, In Dicionário Imperfeito)




Foto: pintora Ana Luisa Kaminski

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21 de nov. de 2011

Pequenos vôos musicais azulados...

Prelúdio

Às vezes, o silêncio prenuncia
Suavidades ou fúrias, entropias,
Mudanças de ritmo ou de rota,
Transfigurações, sensações, sinfonias...

Às vezes, o silêncio adivinha
Novos movimentos, encantos ou vozes,
Reafinação do caos, do corpo, da alma,
Reconfigurações no cosmos, arroubos velozes...

Às vezes, o silêncio pressagia
Eclipses solares, chuvas, semeaduras,
Pinceladas divinas num jardim lilás,
Manhãs iluminadas ou noites muito escuras...

Às vezes, o silêncio precede
Rufar de asas, árias de sereias,
Nascimentos lunares, sons de alaúde,
Danças no mar-cobalto, bailados nas areias...

Às vezes, o silêncio anuncia
Encontros musicais, finais, vitais,
Outros vôos e ventos, reuniões ou rompimentos,
No túnel do tempo sem fim, viagens e espirais...

(Ana Luisa Kaminski)

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*IMAGENS: "Pequeno Vôo Musical Azul" . Pintura de Ana Luisa Kaminski

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3 de nov. de 2011

As velas dos moinhos...



Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rodas que os eixos movem,
o tear que tece o linho,
a espuma roxa dos vinhos,
incêndio na face jovem.


(ANTÓNIO GEDEÃO)


IMAGEM: PINTURA da artista ANNA SILIVONCHIK

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24 de out. de 2011

Tessitura...


Tessitura

Despertamos para a Vida que pulsa, que vibra, que vaza, que canta, a cada minuto e momento!!!... e adormecemos, às vezes, cobertos por cinzas do cotidiano, que obscurecem o colorido exuberante e vivaz dos instantes, quando sorvidos com intensidade, vontade, paixão!... Talvez, tenhamos que adormecer e despertar, tantas vezes, durante a trajetória vital, simplesmente para não esquecer de nossa fragilidade e força, para nos relembrar, todos os dias e horas, da finitude infinda de tal tessitura: dos fios que nos bordam, nos envolvem e enlaçam, das linhas que nos desenham, conduzem, entrelaçam, da urdidura incessante e mirabolante da história. Talvez, precisemos despertar, adormecer e sonhar, para que sejam reinventadas as cores e esperanças, as cintilâncias que entrevemos nas frestas do cotidiano (aparentemente) banal...

Assim, vamos vislumbrando as fulgurações do afeto, do amor e da arte, nas aberturas das noites, das manhãs, dos meses, na travessia dos séculos, no girar do mundo, dos astros, das constelações... Quem sabe, nos arrisquemos aos vôos e travessias, e viajemos, à deriva, em alguns momentos venturosos de luminosidade azul-lilás, entremeados de turquesa, alizarim, violeta, e respingados de verde ou coral, em que possamos sentir a alma bailando aos quatro ventos, na direção deste saber insabido e volátil que nos move, nos instiga, impulsiona!... Entretanto, para isso precisamos navegar com vontade e coragem, entre cinzas e cintilâncias, alimentar as esperanças, exercitar as asas, todas as noites, todas as horas, todos os dias!!!



(Ana Luisa Kaminski)

18 de set. de 2011

Aprender...


Cómo decir de pronto:
tómame entre las manos,
no me dejes caer. Te necesito:
Acepta este milagro.
Tenemos que aprender a no asombrarnos
de habernos encontrado,
de que la vida pueda estar de pronto
en el silencio o la mirada.
Tenemos que aprender a ser felices,
a no extrañarnos
de tener algo nuestro.
Tenemos que aprender a no temernos
y a no asustarnos
y a estar seguros.
Y a no causarnos daño.

(J. P. Farny)



*IMAGEM: "Ninfa Rosada"
Pintura de Ana Luisa Kaminski


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9 de set. de 2011

Viver a vida com arte...



O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos.
A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença.

(Luís Fernando Veríssimo)


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1 de set. de 2011

Lirismo Onírico



EXPOSIÇÃO de PINTURA
"LIRISMO ONÍRICO"

Artistas ANA LUISA KAMINSKI e STAËLL DI LUKKA
Vernissage dia 01 de setembro de 2011
A partir das 19:00
GALERIA SPAZIO SURREALE
Rua Caconde, 234/238, Jardim Paulista, SP
Visitação de 01 a 29 de setembro











10 de ago. de 2011

Caracóis Oníricos...


O mar, meus amigos, foi feito para a lua. O mesmo azul veste ambos, braço antigo. A mesma força anima aos dois espelhos, agita os átomos em comum, tudo se funde, é o mesmo longe, o mesmo escuro, o mesmo mistério, a mesma maresia. Por essa porta para universo dirigi meus passos. Na areia onde as estrelas caem em pó sobre as sandálias e as dunas. Como não pensar que tudo dança, tudo muda, tudo se transmuta e transporta? Ah, ficam lá passos passados, lágrimas, asas.

(Bernardino Guimarães)

..............................

Escolho no céu delicadas arquitecturas de sonhos, sedas que se tecem de azul em azul. O astro branco alumia cá em baixo as vagas, mar alto, mar chão, mar manso. Nas rochas joga-se o jogo, sal, tenazes de caranguejo, estrelas do mar da via láctea, cavalos marinhos em corrida. Dunas, duras, lunares de areia, geometria. O quadrante celeste engole o oceano, tudo veste o definitivo vestido azul escuro, noite. Vagueio só entre cabelos e algas. A princesa dorme, não há vaga, nem vagas que a acordem.

(Bernardino Guimarães)


................

"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura."


(Friedrich Nietzsche)


..........................


*IMAGEM: "CARACÓIS ONÍRICOS".
PINTURA de ANA LUISA KAMINSKI

6 de ago. de 2011

Viver cada segundo!...



E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

(Vinícius de Moraes)



*Dedico esta postagem à aniversariante do dia, a Amada Lara Lunna!!!
Beijos no coração colorido-complexo-criativo, caríssima!

3 de ago. de 2011

Amor Azul...


No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam vôo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera

(Ruy Belo)



* IMAGEM: ANA LUISA KAMINSKI pintando em seu atelier.

14 de jul. de 2011

EPIFANIAS...

Exposição de pintura "EPIFANIAS".
Pinturas das artistas Ana Luisa Kaminski e Staëll Di Lukka estarão expostas até o dia 30 de julho de 2011 no PIOLA JARDINS, na Alameda Lorena, Jardins, SP.


"OLHAR ORQUIDAL LILÁS". PINTURA de ANA LUISA KAMINSKI


"OLHAR ORQUIDAL ROSADO". PINTURA de ANA LUISA KAMINSKI


"PRIMAVERA". PINTURA de STAËLL DI LUKKA


"ARLEQUIM". PINTURA de STAËLL DI LUKKA





ANA LUISA KAMINSKI

A pintora Ana Luisa Kaminski nasceu em Erechim, RS, em 1966. Desde cedo interessou-se pela arte, e já na infância começou seus estudos de desenho, pintura, piano e flauta. Ainda adolescente, começou a participar de exposições coletivas em sua cidade natal. Vive em Florianópolis desde 1985, e graduou-se em Letras na UFSC, tendo concluído o mestrado em Literatura Brasileira em 2002. Desde 1987, trabalha em atelier próprio, dando aulas de desenho e pintura. Expôs suas pinturas em Erechim, Florianópolis, Curitiba, Campo Grande e São Paulo. Atualmente, deseja levar sua pintura para outros espaços e países. A artista foi premiada na Bienal Internacional de Roma, em 2004, na categoria PINTURA. Recentemente, recebeu a Medalha de Mérito Cultural Anita Garibaldi, concedida pelo presidente da FALASP, por ocasião de sua participação na exposição Cristal de Talentos, em SP. Em 2010, participou de exposições de pintura em Pádova e Anzio, na Itália, tendo sido premiada com medalha de sexto lugar na Categoria Pintura, na exposição de artistas brasileiros e italianos, em Anzio, Itália. Ana Luisa entende a Arte como um canal, ponte ou intervalo entre o visível e o invisível, entre o sonho e a realidade, entre o vazio e o pleno de sentido. De acordo com Homi K. Bhabha, a Arte aponta para uma zona liminar entre certeza e incerteza, e pode desestabilizar, subverter e questionar, revelando novas possibilidades a partir de suas “verdades inventadas”. Atualmente, Ana Kaminski está trabalhando em novos quadros, para futuras exposições, planejando publicar um livro de poemas, e estudando as relações entre Arte e Psicanálise.

STAËLL DI LUKKA

Staëll nasceu em Jardim, MS, Brasil. Viveu em Campo Grande, MS, durante parte da infância e adolescência, e depois em Campinas, SP. É formada em Direito, e trabalhou como publicitária e desenhista durante muitos anos, chegando a ser chefe de arte e diretora de estúdio de arte. Posteriormente, ingressou no serviço público federal, e divide seu tempo entre a profissão de funcionária pública, a pintura e a escrita literária. Participou de diversas exposições, coletivas e individuais, em Campo Grande, MS. Recentemente, recebeu diploma da ART FÓRUM por sua atuação no cenário nacional, no campo das artes, como pintora e escritora. Em agosto de 2010, foi condecorada com a Medalha de Mérito Cultural Anita Garibaldi, concedida pelo presidente da FALASP, Conde Thiago de Menezes, por ocasião da exposição “Cristal de Talentos”, realizada em SP. Em dezembro de 2010, participou de exposições em Pádova e Anzio, na Itália. Foi premiada, recebendo medalha de sétimo lugar na categoria pintura, na Exposição de Artistas Brasileiros e Italianos em Anzio, Itália. Obras de sua autoria foram adquiridas por pessoas de diversos países, como Alemanha, França, Canadá, Argentina, EUA, Uruguai, Japão, Holanda e Suíça. No momento, dedica-se a diversos projetos artísticos, incluindo a escrita de alguns livros (romances) e a preparação de novos quadros para exposições.

27 de jun. de 2011

Viagem Vital...



No início,
eu queria um instante.
A flor.
Depois,
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incêndio partilhado.
O fruto.

Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.


Mia Couto
(Idades, Cidades, Divindades)



Te procuro
nas coisas boas
em nenhuma
encontro inteiro
em cada uma
te inauguro.

(ALICE RUIZ)





*IMAGEM: PINTURAS de ANA LUISA KAMINSKI

2 de jun. de 2011

Poesia na casa e no caminho...



A vida é Poesia e música, caminho, encontro, planícies, ar. A existência é poema e barulho, estrada, distância, labirinto, gases sufocantes. E a violência feita contra um ser, qualquer ser, é feita contra todos e contra o Eterno!

O amor é mesmo semear atos de bondade! A sabedoria é nunca chamá-las de semente! E o coração é o universo onde a vida é privilegiada com Shalom. Ali não há gritos, mortes, violação – somente música, e serenidade, e lealdade, e afeto, e delicadeza!
(...)
Caminhos largos para pessoas, porque, afinal, um jardim não é sem pessoas. E não se aborreça se elas criarem passagens entre flores, de terra socada apenas, para irem e virem – e estarem, porque essa é a vida de ser humano: abrir passagens - mas, não destruir o jardim. Não queira mais que isso! As borboletas e anjos ficam por conta do Eterno.

Transforme a vida numa casa, mas não use material descartável. Ela deve durar e trazer saudades, e deve deixar lembranças, lançar raízes profundas e dar frutos. Abra as janelas em todas as direções e erga um teto alto, que acompanhe o telhado, a fim de ter bastante ar e música espalhada como unção e bênção humanas.

Na casa, filho, tenha poucas coisas – mais pessoas! Nenhum negócio e muitos encontros. Entre coisas, prefira as simples, rústicas e duradouras. Entre pessoas, as plenamente humanas. E, entre elas, as mulheres! Especialmente as que cheiram Poesia e possam ser chamadas “Bênção de D’us”, pois os seus sentidos são desenvolvidos mais que em pessoas, o seu cheiro é mais agradável e quando abrem a boca, levam Poetas para todos os mundos.

...E não se esqueça do café – ele é vital. Feito, nunca por empregadas, em coadores de pano. E servido, nunca para apressados, em xícaras pequenas, brancas, de ferro esmaltado. Tudo deve ser demoradamente vivido e visto, cheirado, degustado, escutado, falado e compreendido – nunca amanhã! Por isso mesmo, a sua casa deve ser o encontro de pessoas boas, coração – e música, muita música! E poesia – muita Poesia!
(...)


© Pietro Nardella-Dellova. A MORTE DO POETA NOS PENHASCOS E OUTROS MONÓLOGOS. Ed. Scortecci, 2009, pág 31-33

28 de mai. de 2011

Amor, fogo e ternura...



É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

Pablo Neruda



Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas pernas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um so mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.

Pablo Neruda



De noite, amada, amarra teu coração ao meu
e que eles no sonho derrotem
as trevas como um duplo tambor
combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.
Noturna travessia, brasa negra do sonho.
Interceptando o fio das uvas terrestres
com pontualidade de um trem descabelado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.
Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate.
Com as asas de um cisne submergido,
para que as perguntas estreladas do céu
responda nosso sonho com uma só chave,
com uma só porta fechada pela sombra.

Pablo Neruda







9 de mai. de 2011

Estrelas na ilha...


Lampejos

A vida se desfaz e refaz
suspira, vibra e reluz
a cada sonho ou manhã..
.


(Ana Luisa Kaminski)


As minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas
.


(Sophia de Mello Breyner Andresen)




Só se pode viver perto de outro,
e conhecer outra pessoa,
sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde,
um descanso na loucura.


(João Guimarães Rosa)


Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!


(Mario Quintana)



O que não é ainda o que está para ser o que já está a ser
e que não sendo excede sempre em íntima dissonância
que perpetua o mundo para além de nós
e em nós abre uma fenda mas também um espaço neutro
em que a palavra poderá encontrar a rosa do possível
sobre o impossível solo que a nega e que a suscita
O que o ser mais deseja é a integridade de um sentido
que envolva o não sentido que o transponha numa lenta coluna
de existência reunindo a sede e a móvel nascente
que não existe senão no movimento dos passos sobre o deserto
para que a página se ilumine e a boca respire o azul do dia
Mas o poema é sobretudo o movimento do sono adolescente
em que o mundo não é mais que maresia cintilante
e o ritmo das esferas o rolar de uma bola de esterco que um escaravelho empurra.


António Ramos Rosa
em "Génese (seguido de Constelações)"


Asas na ilha...



Do crespo mar azul brancas gaivotas
Voam - de leite e neve o céu manchando,
E vão abrindo às regiões remotas
As asas, em silêncio, à tarde, e em bando.

Depois se perdem pelo espaço ignotas,
O ninho das estrelas procurando:
Cerras os cílios, com teu dedo notas
Que elas vêm outra vez o azul furando.

Uma na vaga buliçosa dorme,
Uma revoa em cima, outra mais baixo...
E ronca o abismo do oceano enorme...

Cai o sol, com já queimada facho...
Do lado oposto espia a noite informe...
Tu me perguntas se isto é belo?... e eu acho...

Luís Delfino
In 'Os Melhores Poemas'
1834/1910





Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.


(Cecília Meireles)



Pequena História do Nascimento do Mundo

O verbo se fez. Dizem que surgiu do hálito do homem, um sopro na terra. Antes da terra o homem, antes do homem o vento, antes do vento Idea que se fez verbo. Idea abriu os olhos para dar origem às coisas e pensou o mundo, a princípio, dividido em dois azuis: um azul de sombra e um azul de luz. Inventou a Morte e a Eternidade, a Caverna e a Inteligência. Idea, embora não soubesse, havia de separar o mundo em dois iguais. Disse: - Acima de mim as alturas, a região celeste. Fixou os astros. Para o céu pensou a Paz e todas as criaturas aladas, como um primeiro sopro da alma disse “Pássaro” e o som desta palavra trouxe o Vento.


(JACINEIDE TRAVASSOS.) * Trecho do texto




O Vento Vivendo na Casa

vento e mar talharam-se no meu corpo
cessar tua estação em mim foi impossível

sorvi o sumo que sopra nos ares a maresia
roubando-te estrelas marinhas para emprestar à noite
siderei-me no teu céu sem vestes
tingindo-me azul têmpora tronco e membro

colhi versos nos teus olhos
coisa pássara
pousados nos girassóis
violinos deitaram adágio sobre a terra de ti
casa de sementes imersas lírio e orvalho



(JACINEIDE TRAVASSOS)

7 de mai. de 2011

Vento na ilha...


O vento na ilha

O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.

Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para me levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando na sombra,
entretanto eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite
descansarei, amor meu.


(PABLO NERUDA)




Então nasceram os astros

chegaste com o vento
como se cavalgasses num potro de luz
vieram todos os astros
as flores e o canto dos pássaros
disseram os teus azuis

olhaste
o cosmos e o mundo tornaram-se esferas

teus olhos desenharam o sol e as manhãs
e dos limões deitaram o verde no mar
o verde é teu hálito
sumo que sopra nos ares a maresia

a tarde é o teu sopro morno no poente

a noite é teu olhar sobre as amêndoas
é a lua tornar-se marrom nos teus olhos
é a vida imersa nas sementes



(JACINEIDE TRAVASSOS)




Natureza Móvel com Cavalos Brancos
e Vermelho de Orvalho

cavalos brancos cavalgam terra seca
ramagem galhada de arvoredo
as abissais profundezas do peito

o céu escorre azul
sobre o vermelho coágulo do barro
a terra seca ara-se de orvalho
às cegas seguem úmidas as horas

o céu
salina o som insípido do tempo
salmea o acorde das cordas de sol
matiza violinos-sépias
sangra o galope das veias
sobre o branco crina dos cavalos


(JACINEIDE TRAVASSOS)

30 de abr. de 2011

O impulso de florir...


As imagens transbordam

As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?



Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I
Caminho



Estudo do vento para uma bailarina

o vento sopra a tarde para o sol
pólen de rosa e violeta sideradas
mar em mármore azul e véus de nuvem
…talhar do vento para uma bailarina nas águas

em dança de peixes sem asas
sonha a bailarina coisas pássaras
— porque sonho de pássaro nas águas?
— é culpa do mar ser espelho?

em sua noite de casa
traz a bailarina sapatilha e sal
rastro de mar por dentro
cobre de branco o chão onde passa
branco de pombos e de asas
vestígio de um poema antigo
da espuma quando se deita na praia

o telhado é quatro águas
é negro em sua noite de casa
dança a lua em véus de ágata
sombra e borrão de cal
o telhado da casa é quatro águas
sonha a bailarina coisas pássaras

— como pousar
bailarina nascida das águas
se peixe se vento se asas?


(Jacineide Travassos, in O Livro dos Ventos)




Sabendo-te pérola
mergulhara no mar
perdendo o fôlego
adentrara tua concha
imersa em nuvens

Sabendo-te pérola
quisera-te tal qual o homem esférico
de Platão
sabedor da origem
dos fins do homem

Sabendo-te pérola
quisera-te também frágil
nascido das águas
ou da lua
da queda do orvalho
sobre a concha
era-me a ti


(JACINEIDE TRAVASSOS)

24 de abr. de 2011

Ventos e movimentos azuis...



SONETO VIII

Se não fosse porque têm cor-de-lua teus olhos,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fosse porque uma semana és de âmbar.

Se não fosse porque és o momento amarelo
em que o outono sobe pelas trepadeiras
e és ainda o pão que a lua fragrante
elabora passeando sua farinha pelo céu,

oh, bem-amada, eu não te amaria!
em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,

e tudo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso ver tudo:
vejo em tua vida todo o vivente.

(Pablo Neruda)





MEDIADORA do VENTO

Ligeira sobre o dia
ao som dos jogos,
desliza com o vento
num encantado gozo.

Pelas praias do ar
difunde-se em prodígios.
Tudo é acaso leve,
tudo é prodígio simples.

Pequena e magnífica
no seu amor volante
propaga sem destino
surpresas e carícias.

Pátria, só a do vento
de tão subtil e viva.
Azul, sempre azul
em completa alegria.

(António Ramos Rosa, in "Mediadoras")




A FESTA DO SILÊNCIO

Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.

António Ramos Rosa,
em "Volante Verde"


18 de abr. de 2011

Fios de música, linhas de luz...




Por vezes cada objecto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo.


(António Ramos Rosa)



Lembro-me de ti
Nesse instante absoluto,
A vida conduzida por um fio de música.
Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,
Que seja forte. Que seja único.
Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.


(Lya Luft)



Sua beleza é total
Tem a nítida esquadria de um Mantegna
Porém como um Picasso de repente
Desloca o visual

Seu torso lembra o respirar da vela
Seu corpo é solar e frontal
Sua beleza à força de ser bela
Promete mais do que prazer
Promete um mundo mais inteiro e mais real
Como pátria do ser


(Sophia de Mello Breyner Andresen)



Iré al otro lado de la montaña,
¡Ve allí también, oh luna!
Noche tras noche
nos haremos compañía.

Si mi corazón brilla,
la luna piensa
que esa luz le pertenece.


Monje japonés Myoe (1173-1232)